Quadro-
7 surtos
I
O inimigo mais próximo
Se
você fosse um soldado e estivesse em guerra, em uma determinada
guerra, a Primeira Grande Guerra,você teria de tomar cuidado com os
súbitos ataques inimigos, com estilhaços de balas e bombas que
constantemente detonavam, cruzando a 'terra de ninguém', com o
devido posicionamento, com bombas de gás tóxico, consideradas por
uns incivilizadas, mas válidas para o propósito a se alcançar.
Se
você fosse francês, inglês, alemão, russo, belga e estivesse em
guerra você talvez saberia por experiência própria que até os
locais mais seguros apresentam seus demônios.
Se
você fosse um soldado e estivesse em uma trincheira.
Visão da guerra
Em 1914 eclodia uma das mais sangrentas guerras já assistidas pelo
mundo. Os países imperialistas europeus e os Estados Unidos,
representando a América, buscavam com ânsia expandir o seu setor
industrial e conseguir novas fontes de matérias-primas e novos
mercados que sustentassem sua produções. Em um período anterior à
guerra propriamente dita, nações como a Inglaterra e a Alemanha
guarneciam-se cada vez mais em uma corrida armamentista que para
David Stevenson, historiador, nada mais era do que um “auto reforço
de um ciclo de elevada prontidão militar”.
A inauguração do encouraçado britânico HMS Dreadnought
intensificou a “competição” do fortalecimento das frotas
inglesas e alemãs, em um claro quadro de prevenção destas nações.
Ninguém queria ficar menos preparado.
HMS Dreadnought, símbolo da corrida armamentista
Devido a uma série de fatores político-econômicos a guerra então
irrompeu. Seu início foi marcado pelo movimento estratégico dos
países aliados. A infantaria foi bastante utilizada juntamente com a
cavalaria, apoiada por peças móveis da artilharia, tática foi
muito utilizada pelos franceses.
Em uma segunda fase da guerra (1915-1916), soldados enfurnaram-se em
grandes túneis escavados a céu aberto e ali permaneceram durante
meses nas mais deploráveis condições de higiene. E onde a higiene
é deficiente, surgem as doenças.
As trincheiras
Com cerca de 2,5 m de profundidade e 2 m de largura, esses
túneis era interligados entre si pelo subterrâneo. Sacos de areia e arame farpado eram colocados na superfície
como meio de proteção contra balas e estilhaços de bombas, e como
a vala era profunda, uma espécie de degrau que servia como posto de
observação era instalada em uma altura estratégica, necessária
para abrir fogo contra o inimigo.
As condições dos soldados não eram das melhores. Os grupos que cavavam trincheiras perto do mar estavam ainda pior: logo
a água ocupava a maior parte do espaço, dando origem a poças de lama
onde os homens dormiam e comiam. A situação ficava alarmante com a
chegada da chuva. Besouros, sapos e cobras podiam ser encontrados
rastejando pelos túneis e os cadáveres de soldados mortos (cujas
roupas e equipamentos eram simplesmente retirados e aproveitados
pelos demais) atraíam moscas, ratos e todas as doenças que eles
transmitiam.
Praga incontrolável
Se a ameaça constante da guerra e das balas, que a todo
tempo zuniam acima de suas cabeças, não fosse o bastante, os
soldados ainda eram assolados por micoses e doenças por infestação
de insetos, dentre as quais se destacaram o pé de trincheira e a
febre da trincheira.
O pé de trincheira, também conhecido como pé de
imersão, é uma condição patológica dos pés que entram em
contato com o frio e a umidade por muito tempo, no caso dos soldados
a micose se alastrava pelo prolongado uso de botas e coturnos. O pé
torna-se frio, úmido e pálido (diminuição da corrente sanguínea)
e se não tratado devidamente corre o perigo de ser amputado. O
simples exercício de manter o pé limpo era fundamental para evitar
as lesões. Acontece que em uma guerra nem sempre se arrumava tempo
para se cuidar dos pés.
E não havia nada que enlouquecesse mais um soldado em
sua trincheira do que o incessante ataque de piolhos. Embora precioso
tempo fosse destinado a sua exterminação (segundo relatos duas ou
três horas diárias eram destinadas a essa prática), voltavam eles
insistentemente, infectando as valas e transmitindo a chamada febre
da trincheira, uma febre transmitida pela bactéria Bartonella
quintana e caracterizada por intervalos de até 40 horas de dores
pelo corpo, calafrios e esplenomegalia (aumento considerável do
baço), doença que acometeu cerca de 10% dos homens envolvidos em
guerra, mais de um milhão de soldados.
Eu os matava, mas eles
não morriam
Sim! O dia inteiro e a noite estrelada
Por eles
não posso descansar ou dormir,
Nem me esconder ou bater em
retirada.
Então em minha agonia
eu os massacrei
Até de vermelho minhas mãos banhar
Em vão –
quanto mais rápido eu matava
Mais cruéis ainda eles conseguiam
voltar.
Eu matei e matei, com loucura assassina,
Matei
até esgotar toda a minha garra,
E eles se levantavam para me
torturar
Porque diabos só morrem fazendo farra.
Antes eu achava que o demônio se escondia
No
sorriso das damas e no vinho gostoso
Eu o chamava de Satã, de
Belzebu
Mas agora o chamo de piolho asqueroso.
(“Os Imortais”, poema do soldado britânico
Isaac Rosemberg)
Soldados ocupados no controle de piolhos durante a Primeira Guerra Mundial
Na próxima postagem-
Os piolhos e os fungos mostraram que quando o assunto é a falta de higiene eles podem sim se tornar verdadeiras dores de cabeça e derrubar com facilidade mesmo os homens mais treinados. O próximo caso nos relembra a história trágica vivida pelos europeus há muito tempo atrás, em um dramático episódio onde o vetor veio junto aos marinheiros fugidos, nos escuros porões dos navios. Os ratos nunca foram tão problemáticos. Mas será que não eram eles também as vítimas? Acompanhe em '7 surtos'.
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